Sunday, August 3, 2008

O Fim das Notas = Sucesso para todos!

Do Público de hoje:


As escolas devem pagar aos alunos que tiram boas notas?
03.08.2008, Natália Faria
Acenar com dinheiro pode ajudar
a tirar boas notas? Talvez, respondem os especialistas, mas isso é assumir o total falhanço da Escola
Dar dinheiro aos alunos que tiram boas notas nas escolas públicas é uma prática que está a ganhar cada vez mais adeptos. No Brasil, no México, mas também em Nova Iorque, nos EUA, onde os pedagogos anseiam pelos resultados de um projecto experimental que prevê o pagamento de alguns dólares aos estudantes que tiram boas notas nos exames e que abrange 58 escolas daquele Estado.

Por cá, a moda ainda não pegou. O máximo a que se chegou foi à criação dos prémios de mérito, mediante os quais o Ministério da Educação prevê a atribuição de um prémio de 500 euros aos melhores alunos do ensino secundário, já no próximo dia 12 de Setembro. Esta tendência, porém, está a preocupar os especialistas ouvidos pelo PÚBLICO, que se mostram receosos quanto aos efeitos que esta importação do modelo empresarial para as escolas poderá ter no desenvolvimento dos alunos.

"Tudo isto é uma deturpação dos valores que a escola deve passar e que devem ir no sentido de criar cidadãos conscientes e intervenientes na sociedade porque querem ser felizes. E isto não se faz pondo as crianças a cumprir tarefas a troco de dinheiro", considera a psicóloga Rita Xarepe, para quem "é errado pensar-se que os miúdos não são melhores alunos porque não querem e que passarão a sê-lo a troco de dinheiro".

A partir da experiência que decorre em Nova Iorque e que abrange crianças dos oito aos 11 anos de idade, muitas das quais provenientes de meios marcados por fenómenos como o abandono escolar e a exclusão social, Rita Xarepe diz temer também os efeitos que tal prática terá na relação das crianças com a família. "Imagine a pressão de uma família sobre uma criança que deve ir à escola e ganhar dinheiro: já não lhe basta sentir que não é boa aluna e ainda tem que sentir que não está a levar dinheiro para casa e que a responsabilidade é dela."

O pedagogo Sérgio Niza também olha horrorizado para a remuneração do desempenho escolar. "É um truque ridículo que assenta na brutal ignorância dos governantes acerca das questões da Educação", qualifica este professor no Instituto de Psicologia Aplicada, lamentando que "as pessoas que gerem a Educação tenham esquecido que esta é um contrato de natureza social, onde adultos e jovens se comprometem entre si a atingir metas de conhecimento".

Fundador da "Escola Moderna" - um movimento de professores que aposta na maior participação dos alunos na aprendizagem -, Sérgio Niza acrescenta em tom de alerta que "o comércio e o lucro não são os valores adequados para preservar e promover a responsabilidade".

Na mesma lógica de raciocínio, Rui Trindade, professor da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, diz que "não é através de prémios financeiros que se resolve o problema da falta de sentido da escola". "Não me admiraria se os meninos começassem a viver na competição e se metessem a fazer batota ou a tomar drunfos para aguentar", antevê, insistindo que o desafio a não perder de vista é conseguir que a escola faça sentido para os alunos.
"Eu, como professor, tenho que ser capaz de imprimir um sentido àquilo que peço aos meus alunos e de lhes transmitir que o exercício que lhes estou a pedir lhes permitirá dar um salto em frente e que isso nem sempre é uma coisa lúdica, que implique recompensa imediata."

Noutra perspectiva, este "abrir da caixa de Pandora", como qualifica Rui Trindade, poderá deixar para trás os que têm mais dificuldade em obter boas notas. "Se os bons alunos são bons alunos, por que é que precisam de receber dinheiro? Não conseguimos que eles tirem prazer do facto de serem bons alunos sem ser pagand-lhes? Por outro lado, já tive crianças que nunca tinham tido uma positiva e que, por via do esforço e investimento, tiveram um dia um dez. Eu quero saber se essa gente não tem que ser valorizada pelo esforço que fez."

Sérgio Niza vai mais longe ao considerar que "não viria mal nenhum ao mundo se deixasse de haver atribuição de notas nas escolas". A quem o ouve com cepticismo, o pedagogo aponta o exemplo da Finlândia, país que obteve a melhor classificação nos três últimos Pisa - o programa de avaliação de alunos que abrange estudantes do ensino secundário de 57 países. "Na Finlândia, não há exames e os alunos progridem automaticamente, porque lá, em vez de se gastar brutalidades com alunos a repetir anos inteiros, o dinheiro é aplicado em professores auxiliares e assistentes que se vão encarregando dentro das salas de aula de não deixar atrasar os alunos."

Olhando para a realidade portuguesa, o pedagogo lamenta que se tenha enveredado pelo caminho da competição dentro das escolas, antes de apontar o que considera ter sido um erro crasso da actual ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, "que resolveu tornar públicos os resultados das provas aferidas, independentemente de dizer que não reprova as crianças".

"Os professores começaram a reter os alunos no segundo e terceiro anos para não chegarem ao quarto e sentirem vergonha por ver maus resultados dos seus alunos expostos perante todos."

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